Effie Gray (2014) - Filme
By Cathy Scarlet
Filme: Effie Gray
Diretor: Richard Laxton
Ano: 2014
País: Reino Unido
Duração: 108 minutos
Gênero: drama biográfico
Nota: 8
Estava eu olhando o catálogo de filmes da Netflix e vi esse filme. Por curiosidade, assisti. Eis aqui um pouco da história.
O filme inicia com a protagonista, a jovem escocesa Effie Gray (Euphemia Chalmers Gray) contando à irmã menor Sophy uma história remetendo a um belo conto de fadas cuja temática era o casamento. E ao contrair matrimônio com o crítico de arte inglês John Ruskin, começa a perceber que nada seria como imaginara. Logo que chegam à casa em que moram os pais dele, já começamos a perceber a excessiva proteção da mãe (mamãe quer dar banho, mamãe quer dar água na boquinha...) e a mudança de atitude de Effie, cujo brilho diante da nova condição começa a esvair-se diante da real vida doméstica que passa a levar, nada comparada ao conto de fadas com final feliz: a sogra a destratava, o sogro não a considerava uma apoiadora do trabalho do filho, e o marido parecia apático à sua presença, não agindo de modo a torná-la sua mulher, na esperada acepção da expressão para um casal recém-casado. Eis que a jovem conhece Lady Eastlake, que cria grande afeição por ela e procura ajudá-la, vendo como solução para o impasse entre os dois, o afastamento de Ruskin de seus pais opressores. Assim, os dois partem para Veneza, a fim do crítico escrever sobre o lugar, mas a viagem não dá resultados positivos: Ruskin rejeita ainda mais a esposa, agindo como se sentisse repulsa por ela, mostrando-se, ele próprio, tão opressor quanto os pais, e Effie começa a ter crises de nervos, com perda de cabelo, histeria e apatia, sintomas que o marido pouco ou nada notava. Aconselhado a levá-la a Escócia, onde possivelmente se recuperaria, por se tratar de um ambiente familiar, partem acompanhados pelo pintor John Everett Millais, que pretende pintar um quadro de Ruskin. Durante a estadia deles num casebre simples, Everett e Effie se aproximam e, com isso, o jovem pintor começa a ficar incomodado com o tratamento que Ruskin dirige à esposa, chegando ao ponto de deixar os dois sozinhos (sendo ele um jovem solteiro) enquanto viaja para Edinburgh, mesmo com o risco de comprometer sua reputação. A convivência entre ambos acaba se transformando em amor. Sem ver saída a não ser retornar a Londres com o marido, Effie decide pedir auxílio a Lady Eastlake, contando-lhe que o casamento não fora consumado pelo marido sentir repulsa por sua pessoa. Vendo a atitude cruel de Ruskin para com a jovem esposa, Lady Eastlake procura achar uma solução para a dissolução do infeliz matrimônio. A jovem passa por exame médico para constatar que ainda é virgem, o que promove a ideia ao advogado de pedir a anulação por "impotência".
Por que eu recomendo esse filme? Bom, inicialmente pode parecer um filme maçante, mas há nele vários pontos interessantes em que se deter.
Primeiramente, ele representa uma ruptura entre o pensamento idealizado e a realidade tal qual ela é, ou tal qual se apresenta pelas circunstâncias. No momento que antecede ao casamento, a protagonista vê o matrimônio como um reino novo, cheio de promessas de festejos, união e companheirismo, contudo a realidade torna seus sonhos em cinzas, o que nos faz pensar em todo o conjunto de ideias que perpassam a situação ficcional.
Em segundo, temos Effie como a imagem de esposa abnegada, que se cala mesmo ante a situações que a oprimem, que parece estar entre o dever e o desejo, imagem que representava as esposas de antes do século XX, que se achavam merecedoras apenas daquilo que seus maridos lhe designavam pela posição que ocupavam. A personagem, oriunda de quase meados do século XIX, em nada lembra, inicialmente, as figuras femininas que vemos na atualidade: trata-se de uma figura silenciosa, condescendente e leal. Essa figura faz um tremendo contraponto histórico se comparada com nossos dias e somente tal imagem é interessante para avaliarmos os valores culturais e sociais de outrora.
O terceiro aspecto a se salientar diz respeito ao psicossomatismo que abala a mente e acaba por afetar o corpo. Em outras palavras, nossas emoções, sentimentos, aquilo que vivemos e nos oprime e que não colocamos para fora acabam por se transformar em males mentais ou físicos e, não raro eram e continuam sendo os estudos que apontam essa ligação entre emocional e saúde, o que poder gerar apenas efeitos não duradouros (efeitos psicossomáticos) ou que podem gerar males até crônicos, dependendo do quanto somos afetados pelas nossas emoções ou situações ocorrendo ao nosso em torno.
Em outro momento, embora Effie não se torne nenhuma heroína de histórias bombásticas, reage às circunstâncias, recusando-se a aceitar uma vida pela metade, vazia e sem emoção, como a que estaria fadada ao lado do marido, que jamais corresponderia aos seus anseios como mulher e pessoa. Então, decide correr o risco e corre atrás de uma solução, que não era desejável para a época, justamente pela repercussão social negativa a que tal fato levava: a mulher poderia sofrer até exclusão social por ser divorciada (desquitada). E, para o homem, ter seu casamento não consumado e, posteriormente, anulado, era motivo de vergonha para ele e sua família, tanto que, na vida real, Ruskin teve que usar de desculpa a repulsa pelo corpo da esposa para não ter consumado as bodas, a fim de tentar "suavizar" a circunstância atenuante. Ou seja, também algo que devermos utilizar para reflexão em comparação com os moldes atuais.
Portanto, temos diante de nós um filme com aspectos históricos e outros ainda atuais que servem para uma reflexão bem produtiva. Mas, para deixar mais aparente:
- Até que ponto criamos fantasias a ponto de não enxergarmos que a realidade é mais complexa do que podemos imaginar?
- Como nossos sentimentos se transformam em males para nós mesmos?
- E, estamos dispostos a viver pela metade só para mantermos as aparências e não corrermos atrás do que realmente queremos ou do que precisamos?
Reflitam a respeito!
XOXO
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