Olhos D'Água - Conceição Evaristo (2016)

 By Cathy Scarlet




Livro: Olhos D'Água
Autor: Conceição Evaristo 
País: Brasil
Ano de Lançamento: 2016
Gênero: Conto, drama
Editora: Pallas
Nota: 10


Quando o assunto é representatividade, muitos autores atuais se destacam por dar voz às minorias ou aquela parcela da sociedade pouco retratada de modo impactante ou de forma a adquirir importância em obras conhecidas, nas quais aparecem como personagens secundários ou acessórios dentro de uma trama delineada tendo em vista outro público-alvo. Porém, a grande maioria dos autores lembrados vêm de fora, portanto, os nomes do nosso país (Brasil) acabam relegados a última posição ou, até mesmo, esquecidos no hall dos que vendem best-sellers ao redor do mundo. Por essa razão, quando comecei a ler o livro de contos de Evaristo, nome ao qual não estava familiarizada, deparei-me com uma obra verossímil e de extremo impacto no leitor por retratar a constante luta dos afrodescendentes em território brasileiro. 

E quem é Conceição Evaristo? Nascida Maria da Conceição Evaristo, ganhou o sobrenome "de Brito" do marido. É mestra e doutora em Literatura, tendo se formado em Letras pela UFRJ, sendo a primeira a obter diploma universitário na família de origem humilde. Também concorreu, em 2018, a um lugar na Academia Brasileira de Letras. Escreveu outras obras, mas sua obra "Olhos D'Água" é a bola da vez desta singela resenha que procura dar conta de transmitir um pouco da dimensão que transborda pelas palavras de Evaristo, ora de um lirismo sutil, ora de uma crueza própria da realidade afro-brasileira.

Os dois contos inicial e final do livro são bem interessantes para fechar o ciclo: ao passo que um mostra o olhar de sofrimento, angústias e saudade, o último nos delineia um cenário de esperança, mesmo ante as adversidades da vida, da anulação do passado e do descontentamento da realidade. Em ambos, vemos o continuar da vida, da história afro nas novas gerações. Também vale ressaltar que esses contos acabam contrastando com o rudeza presente nos demais, nos quais vemos a violência, a discriminação pela cor, o sofrimento da miséria, da vida bandida, a iniciação sexual precoce e os momentos de felicidade se misturando a uma dor inerente aos indivíduos, como se neles estivesse impregnada, como uma marca atemporal.

Um dos traços que considerei muito simbólico foi a construção lexical: Evaristo usa palavras compostas para dar novo significado aos signos, como em gozo-pranto, flor-criança, dedos-desejos, mar-amor, mar-morrente, Dorvi, coragemedo, flor-sorriso, coragem-desespero, etc. Todas essas palavras acabam por ampliar a significação dentro dos contextos em que estão inseridas, enriquecendo as narrativas. Lógico que isso acaba acontecendo em outros trechos sem utilização desse recurso, porém pareceu-me mágico como este, em especial, fez dos contos uma amplidão de sentimentos, sensações e histórias caladas pela dura condição de vida da população afro no nosso país.

Ao ler cada um dos contos, me pus a pensar nas enormes injustiças pelas quais essas pessoas, com outros rostos, nomes, histórias, passam todos os dias, cada qual com suas perspectivas ou aceitando a única porta disponível diante delas, sem maiores anseios. A leitura fez cair a máscara de um mundo onde as oportunidades escolhem a cor, onde sonhos são destruídos pela falta de meios para sua concretização, onde a desfaçatez da violência, do ódio e da criminalidade andam juntas com as injustiças históricas pelas quais esse povo passou.

Recomendo a leitura para um público mais adolescente, pelo uso de certas imagens e linguagem fortes para as crianças. Leiam e, após uma longa reflexão do exposto pelas palavras de Evaristo, digam se não há, de fato, lacunas histórias e sociais a serem sanadas a fim de que possamos garantir melhores condições de vida a essas pessoas, que vemos cotidianamente. Principalmente, garantir que sua cultura não se perca ou seja anulada pela branca para serem aceitos. Está na hora de abrirmos aos olhos e nos colocarmos diante de uma dura realidade, ainda tão frequente e tão desleal para com alguns.







XOXO





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