A festa do Bode - Mario Vargas Llosa (2000)
By Cathy Scarlet
Ficha Técnica
Livro: A festa do Bode (La fiesta del chivo)
Autor: Mario Vargas Llosa
Autor: Mario Vargas Llosa
País: Peru
Ano de Lançamento: 2000
Gênero: Drama histórico
Editora: Alfaguara
Nota: 10
Sempre fico intrigada em como o poder sobe à cabeça da maioria das pessoas. É como uma droga que as faz mudar quem são (será?) ao ponto de assumir personalidades que não reconhecemos como "normais", pelo simples fato de superarem algumas circunstâncias socialmente aceitáveis, tornando-as arrogantes e acima do bem e do mal, como forças superiores existindo entre os meros mortais. Digamos que é, no mínimo, surreal. Então, quando estava trabalhando técnicas de resumos, acabei me deparando com este livro de que falarei hoje e fiquei intrigada. Afinal, não é sempre que a história de um tirano é contatada misturando elementos ficcionais e fatos históricos. Pensei: vamos nessa! E, contarei um pouquinho a respeito dessa leitura.
Escrita pelo peruano Mario Vargas Llosa (político, jornalista, ensaísta, professor universitário e escritor) e publicada em 2000, a narrativa nos conta, de um modo geral, sobre a ditadura do General Rafael Trujillo, da República Dominicana e as repercussões de seu governo corrupto. Porém, engana-se que se trata de uma narrativa centrada unicamente em sua figura. Muito pelo contrário. Nos vemos diante de várias narrativas que convergem para o General: de Urania Cabral, do General Trujillo e de pessoas que se unem para derrubar seu império de mortes, corrupção e depravação em prol do povo dominicano, como Salvador Estrella Sadhalá, Antonio de la Maza, Amador García e Antonio Imbert.
São, no geral, três pontos de vista que se detêm durante o governo ditador, nos momentos antes de sua derrubada e em anos mais tarde, com o retorno de Urania ao país, após passar mais de vinte anos fora, estudando e trabalhando. Ao seu retorno, a notamos hesitante de rever o pai, que sofrera um derrame há anos, e os demais familiares, com quem não mantivera contato algum ao ganhar uma bolsa de estudos no exterior. Desde o começo, sua narrativa nos deixa intrigados, fazendo-nos pensar o porquê de sua mágoa para com o pai e de ter se mantido distante dos demais membros da família. Não vou quebrar a expectativa de vocês nem dar spoilers, mas a causa de seu rancor é verdadeiramente legítima e, embora seu pai esteja acamado, ficamos pensando em como um homem pode submeter-se tanto a um governo ao ponto de justificar o injustificável e esquecer, até mesmo, de seus valores para manter sua posição e a admiração de um ser implacável como o Generalíssimo.
O segundo ponto narrativo que temos é o do próprio General Trujillo. Ele nos é humanizado, em alguns momentos, capaz de ter certos atos de ternura e consideração por aqueles a quem se afeiçoava. Acredito que tenha sido uma abordagem necessária para não nos levar ao extremismo: bem ou mal e nada mais. Tem o in between, sempre, aquilo que balança entre dois pontos que se conectam constantemente nas atitudes e pensamentos. Ninguém está isento de carregar ambos. E não seria diferente aqui, tampouco. Lógico que escolhemos qual lobo alimentamos mais, como conseguimos perceber pelas atitudes do Pai da pátria dominicana: é um homem que não mede esforços para controlar tudo e todos, que enriqueceu a si e a família, dando nome a todos os lugares numa mesmice chata e egocêntrica; um homem capaz de burlar leis para manter-se no poder e aos membros da família junto dele, relegando aos que saíssem da linha, ou quem o contrariasse, ou ameaçasse uma bela de uma punição ou, até mesmo, a morte. Poderíamos parar por aí, mas Trujillo usou todo seu poder para dormir até com as mulheres de seus aliados e, pasmem, com adolescentes para comprovar a lealdade de seus seguidores! Não nos surpreende que tais atitudes tenham influenciado negativamente seus filhos: irresponsáveis, beberrões, abusadores jovens estudantes e esbanjadores do dinheiro dominicano.
O terceiro bloco narrativo (porque são vários narradores dando seu ponto de vista sobre os fatos) é composto por membros que tentam derrubar o regisme trujillista, usando da influência com os Estados Unidos (país, antes, aliado, porém que acabara por cansar-se das denúncias e corrupções do Generalíssimo) e a bênção da Igreja Católica, escandalizada pelas mortes e pelos atos do governo ditatorial. Nos vemos diante de suas motivações e de seus receios, porém, acima de tudo, percebemos nesse essa vontade insolúvel mesmo com a ameaça de serem presos ou, pior, mortos. Acima de tudo estava a vontade de libertar o país e os cidadãos dominicanos que, mesmo adorando Trujillo, viviam sob o medo de enfurecê-lo e acabar numa das prisões comandas pelo SIM ou sumirem do mapa, sem mais nem menos. Também conhecemos os covardes que, mesmo aliando-se aos libertadores da pátria, "fogem" no último momento, por não se verem capazes de colocar os planos em prática.
Diante do cenário tão bem construído com as ações e a inserção de personagens históricas daquele momento, temos uma história que não nos decepciona. Pelo contrário, ela nos chama a atenção por seu aspecto de denúncia universal de uma situação que não se restringe à República Dominicana de até década de 1960, mas vai muito além dela, chocando-nos pela reflexão sobre a nossa realidade, enquanto cidadãos, de continuarmos a idolatrar "salvadores da pátria", fechando os olhos para a realidade corrupta e deturpada os seguindo a cada tomada de decisão. Temos a nítida percepção do quanto as ações políticas visam apenas o bem do governante, acima de qualquer outra coisa. Pode haver uma vontade voltada para o povo? Claro, vemos isso em algumas falas do General, contudo, no final das contas, não passa de uma ação para mascarar as reais intenções e objetivos: manter-se no poder a qualquer custo e beneficiar-se e aos seus antes de mais nada. É sórdido, entretanto é uma triste constatação permanente em relações políticas: o poder e o dinheiro acabam definindo trajetórias e o ser humano desperta o pior de si.
Para quem gosta de ficção e de biografias, essa obra vai ser extremamente o que se espera: um relato histórico e de criação artística que mantém a verossimilhança e chama a atenção com elementos que são mantidos em suspense para nos prender até o fim. As personagens, na sua maioria, são esféricas, surpreendendo a cada capítulo com suas falas e ações, principalmente Urania, mulher independente, aparentemente distante emocionalmente, mas que nos revela uma faceta totalmente oposta da impressão incômoda inicial: não é uma filha desnaturada que abandonou o pai e não quis vê-lo mesmo após o derrame que o incapacitou, e sua verdade nos espanta absurdamente pelo impacto emocional que, ao fim, também tem as mãos do Generalíssimo. E uma técnica empregada foi colocar uma segunda narração dentro da dela, como se houvesse duas vezes se sobrepondo aos anseios da personagem.
Espero que apreciem a leitura e deixem seus comentários, opiniões, impressões a respeito nas postagens. 💗
XOXO
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