Gerações em Ebulição - O Passado do Futuro e o Futuro do Passado - Mario Sergio Cortella e Pedro Bial (2018)


By Cathy Scarlet





FICHA TÉCNICA:

Livro: Gerações em Ebulição - O Passado do Futuro e o Futuro do Passado
Autores: Mario Sergio Cortella e Pedro Bial
País: Brasil
Ano de Lançamento: 2018
Gênero: Filosofia
Editora: Papirus 7 Mares
Nota: 9



Este livro é tão instigante e esclarecedor que não encontro palavras para defini-lo de modo icônico, pois não há definições suficientes para uma contribuição filosófica tão completa sobre questões envolvendo as temáticas das gerações e dos problemas decorrentes a elas como a que Cortella e Bial nos apresentam de modo tão suave, inundando o leitor de referências interessantíssimas para uma maior compreensão da totalidade envolvida no discurso de ambos. 

Antes de mais nada, escolhi esse livro para entender por que é tão complicado lidar com a juventude de hoje em dia e por que tudo parece tão desinteressante e indiferente aos olhos de uma geração que tem acesso a tudo e, no caso dos alunos de escola pública, recebem tudo de "mão beijada", por assim dizer: material escolar, uniforme (pelo menos, na prefeitura), livros... Enfim, possuem, atualmente, mais do que gerações anteriores, até mesmo a minha, pois só cheguei a ganhar material escolar no final do ensino fundamental. Então, se esse alunado está com praticamente tudo à sua disposição, por que não aprendem? Por que questões de indisciplina e desrespeito em sala de  aula têm adoecido, decepcionado e transtornado educadores ao redor do país como um vírus incombatível que só faz se alastrar mais e mais? Por que há, por parte dos discentes, uma apatia inigualável a qualquer mobilização pelo aprendizado e, posteriormente, pelo conhecimento? O que há de errado? Essas e tantas outras questões têm perseguido a mim em minhas práticas docentes e, até o momento, não obtive respostas esclarecedoras a ponto de me fazer refletir esclarecidamente e buscar uma luz no meu percurso pelo contínuo estímulo ao conhecimento por parte daqueles sob minha responsabilidade: os alunos. Foi, então, nas minhas contínuas buscas no site da Amazon (super TOP!) onde acabei por encontrar esse livro com a participação do Cortella, a quem admiro por suas reflexões e contribuições para a área educacional com sua filosofia esclarecida e esclarecedora de muitas variantes problemáticas nesse campo de atuação.

O livro é dividido em nove capítulos e vou explanar sobre cada um deles, fazendo minhas ponderações quando necessário.


1. "O FUTURO NÃO É MAIS COMO ERA ANTIGAMENTE"


Os autores começam contextualizando essa sensação melancólica (a "bile negra" dos gregos) trazida pelo vislumbre pessimista do futuro na década de 80, uma época próxima ou já após a Ditadura (1964-1985), com artistas expressando seu descontentamento com músicas fazendo menção a um passado de luta, sofrimento, perseguições, censura... Embora possa parecer uma afirmação sem lógica histórica, Bial cita que nosso país "(...) é fundado no sentimento da saudade". É como se sempre houvesse esse saudosismo em nossa sociedade, levando-nos constantemente aspirar ao futuro com receio e, por conta disso, nos detivéssemos no passado, momento conhecido, com problemas conhecidos e previsíveis por já terem ocorrido. E, esse saudosismo melancólico acaba por fazer despertar a depressão, mal do século XXI.

Nesse capítulo, também, é colocada a questão da modernidade, conceito amplamente divulgado após o movimento artístico e literário, caracterizado pela liberdade de criação para encontrar uma identidade puramente brasileira por parte de intelectuais da época, como Oswald de Andrade e Mário de Andrade. Porém, tal conceito também engloba ações de outros pensadores, artistas, religiosos, enfim, pessoas que ousaram pensar novos mecanismos que saíssem do medievalismo conceitual, como o Papa Leão XIII, que escreveu sobre sindicalização e a divisão do trabalho (cada terço de nossa vida dedicado a estudo, trabalho e aposentadoria). Tais concepções nem eram consideradas pela baixa expectativa de vida das pessoas. Porém, como isso modificou-se com o tempo, Bial aponta a necessidade de sempre nos mantermos atualizados, de estudarmos, independentemente da área profissional,  pois não mais podemos ver a vida como divisível em etapas fixas para determinadas ações: estudar é um processo contínuo tanto quanto o trabalho.


2. " A IDEALIZAÇÃO DO PASSADO"


Nesse segundo capítulo, uma fala que sinto como crucial é: 

"Cada pessoa tem sua incompletude. (...) a dor vem da falta...". 

Essa citação carrega uma carga imensamente dura quando paramos para analisar as consequências de uma alma incompleta. Em suma, leva a uma descrença geral, retomada nos anos 2000, outra geração que não aproveita o momento atual advindo das conquistas de um tempo de outrora, no qual as pessoas lutaram ou morreram para possibilitar um júbilo das novas gerações. 


3. "JOVENS, ENVELHEÇAM!"


A melancolia surgida a partir da geração de 80, deu abertura a algumas circunstâncias em busca de uma história ou a completa nulidade do passado. De um lado, temos a burguesia, frenética em buscar os laços com os ecos do ontem (movimento retrô), valorizando o antigo; por outro lado, as pessoas das classes baixas passaram a valorizar apenas o novo e o brilho. Para eles, o passado é algo ao qual não querem voltar o olhar. Hoje, as pessoas querem recorrer a uma autoproteção (por isso, adotam medidas sustentáveis, adotam alimentação saudável e mais orgânica), porém não se trata de um movimento a ser deixado como herança, pois sua motivação é egocêntrica, levando em conta apenas o EU. Daí vem uma citação de Cortella: 

"A deusa da imortalidade, da juventude eterna dos gregos era Hebe. Tanto que a hebiatria é exatamente uma área da medicina que fica entre a pediatria e a gerontologia. E é interessante como temos hoje, além da hebiatria, certa hebilatria, isto é, certa adoração por aquilo que simula a percepção de uma eternidade contínua".

Ou seja, as pessoas estão em busca de fórmulas miraculosas para não apenas manterem-se jovens, como manterem-se imortais, imunes ao tempo. Isso faz com que se achem, também, imunes ao amadurecimento. Contudo, tal fato vai contra a "obrigação" de crescimento contínuo do próprio indivíduo. E, aí, mencionam David Bowie que, mesmo tendo morrido com quase 70 anos, era um homem com traços da juventude: "a rebeldia, o enfrentamento" que o mantinham em crescimento constante como pessoa, movimento que não vemos nos "atuais rebeldes" da nossa sociedade, que apenas se compara a insolência e não a um movimento pelo crescimento como ser humano. Ou seja, eles não recorrem à "rebeldia saudável", mas, sim, a uma subversão, que nada mais é do que o não reconhecimento de qualquer autoridade, tornando-se um ser imerso em revolta diante de tudo, em constante "esperneamento" ou birra. Gera, logo, um problema quando levamos em consideração que "o adolescente está grávido de si mesmo" (CORTELLA, 2018), ou seja, é um ser que ainda não se encontrou no mundo e, dessa forma, depende do convívio com o outro para se conhecer ou para "dar luz à luz um novo ele" (idem).

Esse capítulo finaliza com Bial contando sobre uma entrevista a Oscar Niemeyer na qual lhe perguntou se, caso houvesse uma pílula da vida eterna, ele tomaria, ao que o arquiteto respondeu, sabiamente: "Só se tivesse para todos". Então, Bial pondera sobre sua fala e concorda com ela: 

"Já imaginou que prisão seria continuar vivo enquanto todo mundo morre?".


4. "JUVENTUDE E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA"


Cortella inicia esse capítulo colocando uma diferença entre rebelde e terrorista, uma vez que este último atrai aos jovens por servir como mola propulsora, impulsionando em direção a algo para dar "território" ao jovem, diferente de um posicionamento contra o conformismo (rebeldia). E, embora haja aqueles militantes, que agem pela aspiração despertada pelo movimento insuflado e gerador de uma sensação poderosa de vitalidade, Bial frisa que há uma facilidade em indignar-se contra as injustiças pela falta de vivência para "reconhecer os mecanismos que produziram essa injustiça, essa desigualdade e para indignar-se de fato", ou seja, há mais valor naquele que é impulsionado pela vivência, pois age de modo consequente, pois não anseiam por destruir as novas estruturas ou decisões, mas em manter o que funciona. Para Bial, ainda, um jovem militante politicamente é perda de potencial, pois transformação maior obtém aquele que empreende por si mesmo, uma demonstração de reação contra os ditames políticos. 

Nesse sentido, Cortella aparece para pontuar a diferença entre conservador e reacionário. Aquele é a respeito do posicionamento de quem deseja a manutenção de determinadas estruturas, dentro de determinados paradigmas funcionais e produtivos, ao passo que este mantém uma postura negando o estabelecimento do novo e, tais pessoas, não aceitam nem apreciam mudanças, fazendo um "movimento de recuo" a novas abordagens. Alguns, utilizam dessa atitude para poderem justificar o ócio improdutivo no qual se encontram (como alguns alunos em sala de aula, talvez?).


5. "A FALÁCIA DO CARPE DIEM"


Hoje, é muito comum as pessoas não se importarem com o passado histórico que explique certos fenômenos atuais e, de certa forma, explica os extremismos exacerbados bem como a indiferença com os atuais problemas enfrentados no Brasil. Da mesma forma, a consumolatria aparece de modo avassalador: se não tenho uma preocupação com o passado e só desejo aproveitar o momento sem pensar no amanhã, então não preciso economizar, poupar ou pensar no que estou consumindo. Ou seja, há essa constante necessidade de renovação que apenas o consumo excessivo preenche tamanho vazio deixado pela falta de referência. 

Então, por que as pessoas não consomem literatura ou a leitura? A explicação dada por Cortella é a instantaneidade presente em nossa sociedade, que "retira a necessidade de vivência histórica", bem como de tarefas cujo resultado se dê com o tempo, pois o fenômeno da miojização nos leva a essa ideia instantânea de obter quaisquer resultados ou produtos. Por isso, por exemplo, um aluno não se importa mais em ler a pesquisa que fez na internet: ele simplesmente pesquisa e imprime do jeito que está, sem se importar com o conhecimento a se obter da pesquisa em si.  Portanto, as pessoas adotam tal instantaneidade como modo de viver a vida, prejudicando a si mesmos no processo de não vivenciar ou de não participarem dos movimentos para conhecer o mundo que os cerca. Fazendo-os viver no eterno presente (carpe diem), sem aprender com o passado para melhorar o futuro. 

Em determinado ponto, Bial diz:

"(...) o que move alguém a ter interesse pelo passado é a mesma imaginação que move alguém a sonhar sobre o futuro".

Ou seja, quem não se interessa pelo passado e só foca o olhar no presente acaba por perder (ou deixar atrofiar) essa capacidade imagética e, ainda por cima, crítica da realidade. As ideias que acabam por insuflar as ações e as vivências das pessoas são líquidas, sem permanência ou significância.

O próprio Bial também cita a seguinte frase:

"O campo é florido, mas vai vir o inverno, com a neve e o gelo".

E, a reflexão vai seguindo até o ponto em Cortella diz que todo mundo gostaria de fazer o que gosta, contudo mesmo aquilo que não gostamos deve ser visto por uma perspectiva construtiva, que não nos mantém fixos no eterno presente, mas nos remete a questões futuras.


6. "VELOZES E ANSIOSOS"


Logo no início é retomada a questão da depressão, acrescentando-se a ela a ansiedade (que está muito relacionada ao desespero existencial), uma agravando a outra. Esses dois fenômenos são, de certo modo, atribuídos a sensação de vazio que dominou o ser humano após o avanço da ciência. Com isso, muitas dos problemas antes explicados pela lógica religiosa, passaram a ser solucionados pelo viés científico. Ou seja: 

"Os problemas materiais foram resolvidos, mas o vazio espiritual tornou-se enorme". (BIAL, 2018)

Hoje, por exemplo, nos vemos com salas de aula lotadas de matéria humana, alunos, porém há um vazio imenso neles, que não conseguem, na grande maioria, encontrar algo que os mobilize, que os infle de interesse, perspectiva e inspiração. Isto é, a impressão que dá é que não há "nada a esperar". O cotidiano tornar-se eterno, não saciando as necessidades que os próprios não sabem nomear e, por isso, outras coisas se tornam febre e acabam por dominá-los, tirando o foco e ludibriando-os. Falta-lhes a percepção de que é "no cotidiano que vamos nos resolvendo, e não no carpe diem", ou seja, é em todo processo de ensino-aprendizagem onde vão percebendo significância, é trabalhoso, é cansativo, mas o bom vinho só matura com o tempo, com a espera. E, a juventude, frenética, não quer esperar. Por isso, não deixam o momento fruir (sinônimo de aproveitar, desfrutar, dispor). Não mais se aproveita o momento, porém se espera o resultado. 

Os autores concluem esse capítulo com a diferença entre novo e novidade:

BIAL - (...) O novo é a novidade envelhecida. É o que se estabelece porque permanece, enquanto a novidade se esvanece. O novo tem uma pátina (fato, fragmento, trecho, passagem - acréscimo meu, tá?) - a pátina do tempo. Já a novidade é a falsificação do novo.
CORTELLA - Sim, é o novo que envelhece com velocidade.
BIAL - E fica obsoleto.
CORTELLA - Porque não é novo. O novo não envelhece; ele persiste.

Em suma, há essa busca, portanto, por novidade, mesmo sem perceber que, na verdade, está-se buscando uma réplica do que era passado, apenas reformulado com o tempo.


7. "JOVENS SEM CAUSA"


A ideia da renovação de fórmulas antigas é retomada. Não há, de fato, uma novidade em essência, que surja como algo inovador. Há, sim, a reinvenção de antigas questões. A circunstância, como Cortella menciona, não é negativa e, emenda, dizendo que, em tecnologia, isso se chama inovação incremental, quando algo é transformado a partir de algo antigo, persistindo, portanto. Para exemplificar, traz à tona Darwin, para quem a evolução é mudança e, também, sobrevive aquele que é mais apto, ou seja, aquele que fez uma inovação incremental dentro de um meio para manter-se.

Seguindo essa lógica, frisa-se que saudável é a relação entre gerações onde uma não anula a outra, vendo, em cada uma, uma relevância, uma importância e uma contribuição positiva ou necessária. Então, estabelece-se um contraponto com a música atual e a dos anos 80, mostrando percepções distintas da realidade, mesmo diferenças entre ritmos parecidos em outro território, cada um representando a sociedade e seus anseios.


8. "SEM ÓCIO NÃO HÁ NEGÓCIO"


O início se dá com uma ideia de Hegel de que cada um de nós é uma subjetividade (imaterialidade, parcialidade, abstração) que precisa se reconhecer e, esse reconhecimento se dá a partir do contato com o outro, portanto, somos seres que necessitam se tornar reais e se realizarem no mundo, tomando consciência de nós próprios e da realidade na qual vivemos ou que nos rodeia. Porém, como o outro também está no mesmo processo, acabamos nos percebendo através de nossa obra.

Nesse momento, surge Marx e também contribui para compreendermos esta ideia, acrescida da ideia de que "somos escravos do outro" nesse mundo capitalista, condicionados a ter um trabalho, mas, mesmo que ganhemos dinheiro, estamos fazendo ainda mais dinheiro a um outro, este, sim, detentor de nosso tempo.

Portanto, quando falamos do ócio, falamos de um momento longe das obrigações atreladas ao campo do trabalho, para, justamente, poder despertar nossa imaginação e nossa criatividade com momentos de lazer. Contudo, o ócio assumiu proporções danosas, pois as pessoas (meus alunos, por exemplo) se dão esses momentos de ócio e se tornam vítimas das redes sociais de modo obsessivo e destrutivo, perdendo o contato com a realidade e com as obrigações. Iludem-se com a realidade dos aplicativos e das redes sociais, imergindo nelas de modo vertiginoso. Nisso, vem a frase "quando olhamos para o abismo, ele olha de volta para nós", dando a ideia de que essas pessoas estão olhando para um contante vazio preenchido pelas atividades (os postagens) dos outros. Os alunos acabam por esquecer que a escola é o lugar onde surgem oportunidades, como "poder se libertar e pensar. E, portanto, poder criar, inventar", sem ter o pensar como uma obrigatoriedade do mercado de trabalho.


9. "O VALOR DO TEMPO"


A frase conhecida "faça o que tem que fazer enquanto é jovem" nos é apresentada como negativa. Primeiro, porque induz os jovens a pensarem a vida como um eterno hoje, consequentemente, esquecem-se do projetar-se para o futuro; segundo, porque supervaloriza aquilo que é jovem e rebaixa o que é velho. 

Essa valorização do jovem ocorre no mercado por ser um grupo visado, impulsivo e que busca certezas: a certeza oferecida pelo consumismo.

Com isso, os jovens passam a não dar valor ao que está fora de si (o conhecimento a ser obtido, por exemplo, o conhecer), valorizando apenas o diante de mim, aquilo que quero consumir. Ou seja, se a juventude se fecha ao conhecimento perde a referência, perde a noção de onde apoiar-se para se encontrar, fixando-se na ideia errônea de que tudo é fragmentado ou efêmero. 

Cortella finaliza com a seguinte frase de um ditado chinês, com o qual finalizo este breve explanar do conteúdo desse livro riquíssimo e uma indicação super recomendada:

"Depois daquela montanha, tem mais montanha".











XOXO




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