Dominados pelo medo: como perdemos a chance de vivenciar experiências significativas
O medo de relações/ relacionamentos
estáveis leva alguns à caverna (terminologia que tirei do livro Homens
são de Marte, Mulheres são de Vênus, de John Gray), a repetir as mesmas
experiências (instintivamente ou não) ou a se fechar a qualquer nova
oportunidade de conhecer alguém e deixar as coisas evoluírem. É estranho pensar
assim, mas falo, pois já passei, de certa maneira, por algumas dessas etapas
tanto por questões envolvendo relações que não deram certo, como por problemas
familiares que me deixaram apática à ideia de encontrar alguém ou de, sequer,
conhecer pessoas novas, romanticamente falando. Sei que, em ambos os casos
(familiar ou pessoal, ou até outros, só elucidei dois, claro) cabe ao próprio
indivíduo tomar uma atitude diante de suas decisões e analisar com bastante
critério quais ações seguir antes de pensar em investir em relacionamentos,
pois as consequências de não estar preparado para seguir a diante, geralmente,
afetam a terceiros também.
Vamos tentar estruturar meu ponto
de vista acerca disso para não cair em falácias:
1. Homem
das cavernas
Não sei se minha expressão foi lá
muito adequada, mas achei-a bem cômica e, de certa maneira, retrata esse
primeiro modelo de “reclusão amorosa”. Trata-se daquele homem (mais homem do
que mulheres, claro, se formos levar em consideração o que diz Gray) que se
isola de qualquer contato mais profundo com alguém por inúmeras questões, desde
trabalho até aborrecimentos cotidianos, que o fazem refletir para achar uma
solução ou apenas imergir para digerir. Nesses momentos, o indivíduo se isola e
não quer saber de ser retirado de seu covil, como se fosse o Batman, mas sem o
glamour daquelas roupas poderosas. E nem adianta tentar entrar em sua
Batcaverna ou a artilharia de defesa é acionada e você acaba carbonizado,
explodido ou pulverizado a menor aproximação. Cruzou a linha limite é chumbo
grosso.
Normalmente, tais momentos de “trancafiamento”
são momentâneos e não duram muito tempo, porém mobilizam reações desesperadas
de algumas pessoas. Tenta-se tirar o serzinho dessa caverna a todo custo e,
como resultado, ele se fecha mais e mais. Nas situações mais extremas, a
postura de tentar ajudar o leva a romper com aquela relação. Segundo Gray, isso
se dá pelo homem ter uma postura elástica para conosco e, nos momentos de
reclusão, é quando o elástico não está favorável a nós. Precisamos saber
reconhecer tais momentos e esperar... Balela! Não dá para esperar, principalmente
quem é ansiosa e impaciente, se torna um risco tremendo aguardar que o
homenzinho das cavernas retorne ao seu auge de interesse e nos procure como
antes. Bate a incerteza: será que ele se afastou por causa de outra? Será que
ele não me acha mais atraente? Será que deixei de ser importantes para ele?
Enfim, mil pensamentos vêm à mente, poucos ou nenhum tem a ver como “é o
momento dele, vou deixá-lo de boa na lagoa”.
O fato é que, nesses momentos de
isolamento autoimpostos, cabe um diálogo franco com a outra parte,
reassegurando-a dos motivos para tal. Nenhuma mulher é uma bola de cristal para
adivinhar o que se passa na mente de um homem, principalmente se ela já tem
problemas de abandono e traição envolvendo relacionamentos ou relações
anteriores. Sejam francos, homens: “preciso de um momento para mim, mas não tem
nada a ver com você. Fique tranquila que, quando passar, vou te procurar. É
algo momentâneo pelo qual tenho de passar sozinho, mas agradeço que esteja
preocupada/ mas não quero que se preocupe nem pense bobagens”. Viram? Custa
nada serem mais abertos quanto aos momentos “cavernísticos” de vocês,
gurizada!
2. Repetition
– Hit me baby one more time
Ouviram a expressão: um raio não
cai duas vezes no mesmo lugar? Mentira, cai, sim.
Já conheceu aquela pessoa que
parece repetir indefinidamente os mesmos tipos de relações? Sim, aquela que
parece que cai sempre no “conto do vigário”, aquela que quando parece que vai,
não vai... De novo e de novo, mesmo quando encontra alguém com quem tem uma
conexão de causar inveja a qualquer um, com uma química e um entendimento do
outro que parece nem ser desse mundo. Exatamente, aquela que tem azar no amor e
sorte no azar (ai, que tirada horrível... Mas tá valendo, vai). Pois é: estou
falando daquelas pessoas que estão sucessivamente envolvidas com outras, mas
que acabam, de certa forma, dando a impressão de ter o mesmo desfecho (hello,
that’s me! All the time...) e, lógico, sempre de forma negativa (por assim
dizer. Já que o positivo seria a aceitação e a certeza de sermos amados como
nós somos, mesmo imperfeitos e loucos).
Digo por experiência, não é que não
tentemos algo diferente, nem estamos sendo extremamente (pessimamente)
seletivos, somente não entendemos das “técnicas” aperfeiçoadas para atingir
nossos objetivos, justamente com quem queremos. Sim, não manjamos das
artimanhas de conquista e sedução e jogamos o “phoda-se” (com ph
é mais bonito e formal, não soa como palavrão, na minha concepção) na prudência.
Simplesmente, agimos como achamos ser o correto, o ideal e acabamos nos
estrepando legal, pois nosso modo de conquista é justamente o mais equivocado
possível na visão do outro. Nos tornamos inseguras, carentes e nossas atitudes
pressionam demais a ponto de não conseguirmos ser consideradas nesse particular
de envolvimento. É como se nos tornássemos outras pessoas, incapazes de gerar
algo mais do que admiração, em alguns casos (em outros, somos simplesmente as desequilibradas,
as loucas, as bobas etc.), pois nosso alvo amoroso não consegue enxergar além
das nossas inseguranças (provavelmente, ele próprio já tem problemas com
relacionamentos e não está disposto a ceder ou a aceitar na mesma medida ou com
a mesma paciência. Para esse indivíduo, é complemente impensável envolver-se
com alguém que ele não consiga compreender ou que não deseja compreender em sua
integralidade atitudinal). Admitamos: poucas pessoas têm paciência e maturidade
para compreender nosso perfil e, dessa forma, acabamos ou descartados ou
frustrados com relações que temos de terminar por não serem mais (ou nunca
terem sido) recantos de acolhimento, aceitação e segurança para não estarmos
sempre munidos de nossas piores “técnicas de amarração”. E daí vem as frases
que se ouve com constância: “não é você, sou eu” (ou é tu mesmo, cara!); “não
tenho mais a mesma atração de antes” (como se o lance sexual fosse tudo e a
atração fosse uma mensuração do que é real), “não estou pronto para me
envolver”, “não quero te magoar, mas...” (percebam como boa parte das desculpas
que conhecemos acabam começam por NÃO), e por aí vai.
Não é fácil reorganizar o modus
operandi que nos determina, pois temos nossa própria natureza individual.
Falo por mim: estou sempre tentando mudar, mas sei que caio nos mesmos golpes
que acabo criando por meus receios e afobações. Estou ciente disso, porém quem
se relaciona comigo não parece se preocupar com querer saber e temos de estar
preparados para isso. A aceitação tem de vir de nós, de quem somos e da verdade
que carregamos. E começa por admitir que precisamos mudar nossa abordagem e
atuação porque, infelizmente, o outro não está condicionado a aceitação/
compreensão de modo imediato, a menos que tenha brotado no coração aquela afeição
apaixonante que o faça enxergar além das nossas tentativas frustradas de pure
seduction/ extreme seduction/ only extreme. Mesmo sendo o
indivíduo mais suprassumo da existência, se ele também tiver problemas e
traumas com relacionamentos, nossa postura acaba sendo um bugg na mente
dele, que opta por abdicar de nossa presença, amorosamente falando, do que
lidar conosco gradativamente e nos oferecer segurança de sermos aceitas como
somos.
3. Ostracismo,
aí vamos nós!
Sabe quando mamãe diz que você
precisa sair e você, simplesmente, não quer? É mais ou menos isso, mas no campo
das relações amorosas: você quer, mas não quer e se isola de todas as
oportunidades que surgem. É como um caramujo que, a menor aproximação, se fecha
dentro de sua concha com medo do desconhecido (tudo é muito perigoso para
nossos caramujinhos medrosos).
Alguns exemplos mais práticos desse
tipo de isolamento extremo:
I)
Você passa por um relacionamento mega
complicado, onde não se sentiu valorizado, apenas cobrado ou somente colocado
de lado. Ao terminar, algo em seu coraçãozinho de cavalo manco se torna ogro e,
mesmo na mulher mais incrível, surgem defeitos que fazem nosso ogrinho achar justificativas para se afastar,
geralmente, munido de extremismos, pois não há meio termo de análise de perfis.
O que pesa é seu medo de passar pelos mesmos mecanismos de desvalorização e
sofrimento emocional.
II)
Você passa por um relacionamento de cobranças e
desgaste emocional. O término, no entanto, não veio por sua vontade. Por mais
que sinta a solidão batendo na porta e aquela terrível necessidade de se
conectar, simplesmente não consegue por ver-se preso à relação anterior. Aí,
você se isola e abdica de sequer tentar, como se esperasse o retorno do Jedi a
sua vida.
III)
Sua aparência o desagrada e se sente inferior às
demais pessoas no planeta. Como consequência, prefere isolar-se por não se
considerar uma pessoa boa o suficiente para atrair um possível parceiro ou
interesse amoroso recíproco. A falta de amor-próprio e de perspectiva na
tentativa, traz a desmotivação e o leva direto ao buraco negro do Universo.
Como deu para perceber, os tipos isolados encontram mil e um motivos para não se arriscar, não tentar. Alguns se ancoram em fantasmas do passado e colocam mil empecilhos para relacionar-se; outros, não conseguem ver perspectiva de experenciar situações positivas e inusitadas com outro perfil; já outros, não se acham merecedores de ter alguém e, por isso, nem tentam.
Motivos todos acabam tendo para
temer o envolvimento. Afinal, relacionar-se é correr riscos e lidar,
constantemente, com o novo, o diferente. Além disso, é o lidar com nós mesmos,
nossas fraquezas, vontades e falta de desejo, querência que, em alguns casos,
independem de nossa vontade e nos relega momentos de desmotivação, insegurança
e irritação. Podemos até acabar repetindo padrões de relacionamento por estarmos condicionando nosso cérebro e sentidos a aceitar aquilo que já conhecemos, mesmo sabendo o desfecho. Vale ressaltar o machismo estrutural ainda permeando as atitudes masculinas: homens querem ser caçadores e, ao se verem privados dessa posição, tendem a perder o interesse. Para eles, demonstrações de afeto, a mulher correr atrás, são situações gravíssimas que não conseguem compreender como modos de demonstração de afeto. Consequentemente, recuam e abandonam as "mulheres caçadoras", pois direitos iguais não valem no campo amoroso (injusto, mas é o mundo em que muitos homens parecem habitar, infelizmente).
Seres humanos são multifacetados, portanto, trazem inúmeras complexidades envolvendo o lidar cotidiano. Se não tivermos filtro para entendermos a real motivação das pessoas, se não pararmos para abrir a mente e compreendermos que nem tudo é preto no branco e que as todos carregamos dificuldades, medos, traumas e experiências diferentes, estaremos fadados a afastar pessoas que podem fazer a diferença nas nossas vidas pela única razão de nos fecharmos às possibilidades e, quando nos dermos conta, estamos sozinhos, infelizes em relacionamentos vazios ou ainda buscando algo que já havíamos encontrado, mas que não soubemos valorizar, enxergar nem abrir espaço para que essas pessoas pudessem demonstrar quem são e, aí, sim, fazer a diferença.
XOXO
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
GRAY, John. Homens são de Marte, Mulheres são de Vênus. 1992.
REFEREÊNCIAS DAS IMAGENS
https://melhorcomsaude.com.br/5-medos-comuns-ao-iniciar-um-novo-relacionamento/
https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2018/02/28/sua-vida-amorosa-esta-empacada-o-problema-pode-ser-essas-4-quatro-crencas.htm
https://pensamentoliquido.com.br/medo-da-solidao-te-faz-aceitar-relacionamentos-de-merda/
https://melhorcomsaude.com.br/o-medo-de-voltar-a-se-relacionar/
https://www.istockphoto.com/br/fotos/homem-das-cavernas
https://blog.psicologiaviva.com.br/padroes-e-repeticoes/
https://marta-omeucanto.blogs.sapo.pt/a-concha-imaginaria-que-nos-protege-851381
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