Dois Papas (2019) - Filme
By Cathy Scarlet
FICHA TÉCNICA:
Filme: Dois Papas (The Two Popes)
Diretor: Fernando Meirelles
Ano: 2019
Duração: 125 minutos
País: Reino Unido e Itália
Gênero: Drama biográfico
Nota: 9
Ao assumir como Papa, Bento XVI tornou-se responsável por consertar os erros da caminhada religiosa de alguns sacerdotes.
Em mais essa obra da sétima arte produzida pela Netflix, dirigida pelo brasileiro Fernando Meirelles, nos mostra os bastidores da sucessão do papado em 2013. Como um papa pôde renunciar ao mais alto e ambicionado posto da Igreja Católica em pleno século XXI? Quais foram suas motivações? Seu sucessor estava pronto a assumir tamanho papel em pleno momento de crise no catolicismo, bombardeado por polêmicas e acusações?
O cardeal alemão Joseph Ratzinger (Anthony Hopkins), articulando-se entre os cardeais após a morte do Papa Paulo II, consegue, após impasses na votação, ser nomeado papa (Bento XVI), embora alguns colegas cogitassem o nome de Jorge Mario Bergoglio (Jonathan Pryce), arcebispo de Buenos Aires, para a posição. Porém, o próprio já via como inviável sua eleição, dado a posição conservadora dos que estavam à frente da Igreja, não dispostos a renovações.
Mesmo tendo sido bem sucedido em sua empreitada na conquista pela posição papal, Ratzinger não consegue lidar com as constantes acusações de pedofilia surgindo e os escândalos envolvendo a Igreja. Afinal, o peso das polêmicas negativas e a opinião nada favorável das pessoas sobre si e sua falta de posicionamento começam a desgastá-lo emocional e fisicamente.
Na Argentina, Bergoglio está a espera de uma resposta ao seu pedido de aposentadoria e, notando a demora, decide ir pessoalmente para o Vaticano, onde se encontra com Bento XVI na casa de veraneio papal, justamente quando mais um escândalo do Vaticano vinha à tona pela mídia. O encontro revela o caráter oposto dos dois religiosos: um é conservador e não admite inovações nem concessões; o outro quer dialogar com as pessoas na atualidade, abrindo as portas da Igreja àqueles que necessitam de misericórdia e, não, de julgamentos e exclusão. Em determinado momento, Bento aponta que Bergoglio tinha uma posição diferente da que pregava atualmente. Calmamente, o arcebispo responde que mudou, indicando o caráter evolutivo do ser humano, nunca preso numa verdade tida como absoluta ou única. No decorrer da presença dele em Roma, a relação entre os dois parece girar na retomada de alguns aspectos da histórica do arcebispo, que resolve contar sua trajetória religiosa: após romper seu compromisso de casamento, junta-se à Ordem dos Jesuítas e estabelece amizade com os padres Franz Jalics e Orlando Yorio.
Bento XVI (Anthony Hopkins) e Jorge Bergoglio (Jonathan Pryce) em cena, na casa de veraneio papal.
Bento recusa conceder-lhe a aposentadoria, pois teme verem tal ato como uma falta de confiança em sua liderança e isso acabaria enfraquecendo a Igreja Católica. Ainda evitando o assunto da resignação, consegue que Bergoglio o siga até o Vaticano, onde acaba revelando sua própria intenção de renunciar ao papado, contrariando a ideia de manter a continuidade e tradição exigidas pelo posto, contudo Bento argumenta: já houvera renúncia em séculos atrás e, também, a mudança seria essencial, sugerindo o nome do colega como seu sucessor. Dessa vez, é Bergoglio quem argumenta contra tal possibilidade devido ao seu passado como colaborador da ditadura na Argentina.
Num flashback, nos é contado esse momento. Pessoas desapareciam. Era um período negro para os argentinos, em plenos anos 70. Os religiosos católicos se colocaram contra o sistema e, como retaliação do governo, padres e freiras foram fuzilados. Temendo ainda mais mortes e querendo evitá-las, o, então, padre aproximou-se dos militares para pacificar e intermediar a situação. Vendo que havia alguns deles infiltrados entre aqueles que denunciavam os crimes da ditadura, procurou avisar seus amigos, porém começaram a vê-lo com receio, como um traidor da causa que defendiam. No fim, viu que suas atitudes falharam em proteger a quem admirava e culpava-se pelo desfecho derradeiro de todos. Bento, no entanto, aponta que, embora o outro tenha se aproximado dos militares e tenha sido visto com maus olhos pelas pessoas, por outro lado, procurou dar refúgio aos perseguidos, tendo salvo muitas vidas. O arcebispo, contudo, não achava que havia feito o suficiente.
Exilado, serviu como padre em uma comunidade longínqua por dez anos, na qual encontra-se com Jalics, com quem se reconcilia num momento emocionante de perdão durante uma celebração que realizava. Ao ser perguntado pelo padre Yorio, responde que o outro jamais pudera perdoá-lo. Vendo-o perseguido pelos fantasmas do pesar, Bento lhe concede o perdão e, posteriormente, pede para confessar-se, ao que é atendido. Revela, então, seu arrependimento pela omissão nos casos de abuso sexual. Indignado, Bergoglio diz que é um motivo para Bento continuar como Papa, para consertar a situação. Numa cena linda, Bento é absolvido dos seus pecados, após perceber a firme determinação do outro em sua decisão.
Ao se ver perdoado, um peso enorme parece sair dos ombros do Papa, deixando o arcebispo tocado. Um ano depois, renúncia ao seu posto e Francisco assume, adotando o nome como homenagem ao antecessor e amigo.
Há aspectos interessantes a pontuar, contudo, o que mais chama a atenção é o olhar humanizado lançado sobre os dois homens em foco, capazes de erros e acertos, de carregar perdão ou culpas, tornando-a profunda e marcada pela compaixão, perdão e missão.
Embora seja um filme centrado em figuras católicas, vale ressaltar que todo mundo tem uma missão na Terra. Ninguém vem ao mundo por acaso. Cada um de nós tem um propósito que tornamos real para o bem ou para o mal, mesmo a ideia parecendo um pouco clichê, sem entrar nos meandros da existência de cada um. Há uma vontade de Bergoglio em tornar-se Papa e colocar em prática as mudanças necessárias para reaproximação do povo cristão, ao mesmo tempo há todas as demais questões secundárias que interferem na concretização de seu sonho: a culpa e a ambição.
Não é novidade que a Igreja Católica surgiu com um propósito norteado em fazer o bem ao próximo e levar a Palavra ao mundo. Porém, devido a diversos fatores históricos, acabou sendo um meio para enriquecimento, politicagem, conquista de territórios e ocultação de imoralidades (não vou me deter nisso, pois foge ao assunto, embora dele faça parte), o que acaba acontecendo com diversas instituições, religiosas ou não, em determinado momento ou em determinados lugares. Sabendo disso ou recordando-se desses pormenores, vemos uma ambição inicial de Ratzinger em tornar-se Papa, entretanto, nem tudo o que reluz é ouro (olha outro clichê...), ou seja, nem sempre um alto cargo vem com promessa de felicidade ou satisfação pessoal. Muitas vezes, vem carregado de tormentos, abdicações e testes ao emocional e ao físico do ser humano. Em suma, acaba exigindo mais do que sendo uma recompensa merecedora de esforços empenhados em sua conquista. E, talvez, tenha sido um exercício árduo para Bento lidar não apenas com a parte burocrática, mas também com circunstâncias obscuras dentro da ordem religiosa da qual tornara-se líder. Nem sempre é fácil ou simples lidar com aquilo já arraigado pela tradição conservadora, preconceituosa ou cruel da sociedade. E, todas as religiões fazem parte da sociedade, feita de indivíduos falhos, imperfeitos e nascidos no livre-arbítrio das decisões, mesmo com as lições Sagradas. Portanto, romper com paradigmas negativos torna-se uma missão tremendamente penosa, árdua e, em alguns momentos, solitária.
Ao vermos Bento dar-se conta do peso advindo da ambição em tornar-se líder, conseguimos nos solidarizar com seu recuo na ação firme exigida com os constantes ataques vindos da propagação de denúncias contra religiosos indo na contramão dos ensinamentos de Jesus. O vemos cansado, ainda apegado às tradições e cerimônias, não mais sentindo o chamado divino a direcioná-lo em sua missão. Quando resolve ceder seu posto ao arcebispo argentino, o faz por notar o caráter solidário, misericordioso e agregador daquele que acabou se tornando seu amigo, vendo capaz de realizar reformas que não pôde. Mas, a culpa ainda fazia o candidato titubear em aceitar a oferta e, ao ser perdoado, foi como se a graça lhe sorrisse novamente. E, ao ceder perdão ao Papa, também o fez sentir a mesma sensação, libertando-o da opressão que o aprisionava.
Às vezes, estamos tão mais preocupados em julgar, apontar os erros de alguém e não compreendemos a tarefa árdua carregada pelo outro. Não vemos todo o cenário e nos detemos em partículas de informação, isolada e descontextualizada. E, principalmente, esquecemos da possibilidade de nós mesmos podermos cometer erros ou equívocos por medo, insegurança, culpa, ou mesmo querendo acertar. Ao analisarmos uma situação simples, acabamos nos dando conta das consequências de determinadas ações ou falta delas. Ver o religioso de origem alemã deslocado, conseguimos entender que nem tudo nos convém. E, vendo Francisco assumir com uma postura de simplicidade e humildade, também conseguimos perceber que a principal mudança ocorre em nós, em nossa própria forma de ver, agir e construir o mundo. A simplicidade de suas atitudes nos faz repensar não apenas as instituições religiosas ao redor do mundo e toda a pompa que as mantêm distante de seu público, das pessoas a quem deveriam se aproximar e estender a mão, como também nos faz perceber como nossa voz é poderosa quando ela se faz ouvir pelo bem-estar do próximo, invisível, desprezado, discriminado ou vítima do deboche dos outros.
Para concluir, vou deixar alguns exercícios para reflexão pessoal:
1) nos é mais recompensador assumir altos cargos, por exemplo, sem termos a competência, apenas para alavancar nossos egos?;
2) carregamos alguma culpa ou outro sentimento que nos impede de concretizarmos nossos objetivos?;
3) nossas ações estão sendo motivadas por egoísmo ou estamos pensando em fazer o bem para outras pessoas, mesmo que através de pequenas ações?;
4) quem de nós não cometeu erros e como nos sentimos diante deles nos fez sentir mal conosco?
1) nos é mais recompensador assumir altos cargos, por exemplo, sem termos a competência, apenas para alavancar nossos egos?;
2) carregamos alguma culpa ou outro sentimento que nos impede de concretizarmos nossos objetivos?;
3) nossas ações estão sendo motivadas por egoísmo ou estamos pensando em fazer o bem para outras pessoas, mesmo que através de pequenas ações?;
4) quem de nós não cometeu erros e como nos sentimos diante deles nos fez sentir mal conosco?
XOXO
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