O valor do aprender
By Cathy Scarlet
Após alguns meses sem publicar nada aqui, voltei justo com esse assunto por ser imensamente atual na minha vida (ser professora não é fácil...), bem como por ser algo muito latente nas salas de aula de diversas escolas do nosso país, acredito. Esse assunto foi por mim iniciado no meu perfil pessoal e resolvi trazê-lo para cá pela saudade que estava de escrever aqui e para complementá-lo de maneira mais profunda, que não ficaria legal lá, dado que posts muito longos não são nem lidos nem servem para passar mensagem alguma da forma como ambiciono.
Eis o texto publicado por mim:
Pior coisa é quando as pessoas arrumam desculpas pra si mesmas. Deus sabe de todos os sacrifícios que fiz pra estudar, fazer curso de idiomas, prestar Fuvest e passar sem cursinho, fazer faculdade longe de casa, acordar cedo, pegar bus lotado, fazer estágios, ficar mais de dois períodos longe de casa, me formar pra depois prestar concurso, passar em três e decidir dar aula pela simples paixão de ensinar e ambicionar dar aos meus alunos o mesmo que tive no meu ensino público com os maravilhosos professores que passaram por minha vida.
Ouvir hj desculpas e reclamações de alunos por qualquer coisa me deixa chateada pq eles ainda nem sabem o que é cobrança de verdade, o que é a vida.
Vê-los desistir sem nem tentar é um tapa na cara da gente que se esforça pra dar a eles um pouco de si, mesmo diante de tantos outros conflitos pelos quais passamos. Deus queira que eles não engulam a própria língua ao verem que a vida não é fácil e o quanto perderam com babaquices ao invés de correrem atrás, quererem saber e conhecer as coisas.
Aprender, definitivamente, não é pra gente fraca. O verdadeiro aprendizado vem de um esforço ao qual poucos se submetem. Aprender é abdicar de banalidades pensando num futuro melhor. Aprender não é visar nota, é visar o conhecimento e o constante aperfeiçoamento da mente. Aprender é ser humano e saber que sempre há coisas novas a serem descobertas. Aprender é suar pra ter algo e abrir caminho às oportunidades pelo próprio esforço. Aprender é esforçar-se em atingir o limite e, mesmo ao atingi-lo, querer superá-lo sempre. Uma pena muitos alunos se esquecerem disso... E nem adianta culpar a nós, professores, pois quem quer aprender vai atrás. Quem culpa os demais pela própria derrota, jamais será um vencedor. E deixar de tentar é desistir; e desistir é jamais perceber-se capaz de conquistar o grande prêmio, tão almejado. Seja ele qual for. Muito triste ver essa complacência com a desistência desses jovens...
Não alterei muito a linguagem internetês para ser fiel ao texto original, que não foi alterado. E a ele acrescento o que vem a seguir (inédito):
Antes de mais nada, a produção acima nasceu de uma revolta interna que surgiu, principalmente, por causa de meus alunos do terceiro ano do ensino médio.
Primeiramente, lecionar não é fácil, como todo mundo sabe, porém, o que poucos, talvez, se deem conta é da intensa dificuldade que é ensinar os anos finais de qualquer ciclo, fundamental I, II ou ensino médio, dada a enorme cobrança que há pelo resultado positivo nos índices, que se obtêm a partir das notas dessas turmas. Mesmo que a cobrança não seja feita pela gestão escolar ou pelos colegas de trabalho, ou que não seja feita de modo aberto, ela está lá, presente, espreitando nossas ações e nossas tomadas de decisão. Essa mesma cobrança se tornou minha algoz nesse ano todo, por diversas questões, já que, como novata professora de português para os terceiros do ensino médio, me sinto compelida a provar que consigo (ser perfeccionista é fogo...), mais para mim mesma do que para terceiros, quartos, quintos... Chega a ser uma meta pessoal, não por status (nem sei se é status lecionar para essas turmas, mas há quem pense que sim. Para mim, é uma tortura já que além das provas do Governo, ainda tem o TCC na minha escola, ao qual me debrucei a fim de achar uma melhor forma de ensinar meus alunos a lidar com ele nesse ano, desde o primeiro dia de aula). É uma intensa cobrança de nós, professores, para fazer com que esses alunos aprendam a ponto de demonstrarem progresso positivo nas estatísticas, modo cruel de avaliar o trabalho docente que é imposto pelo Governo, mas vamos lá...
Segunda coisa, gerenciar conflitos cansa. Sem mais. Cansa muito. Principalmente porque é isso o que alguns alunos mais causam: conflitos. E, pior, sem razão nenhuma, como se fosse preferível para alguns "fazer drama" do que colocar-se em ação, mobilizar-se para atingir um objetivo que vai beneficiar a eles mesmos. No fim, perdem mais tempo com essas "picuinhas" e, em contrapartida, deixam de lado a aprendizagem, não importando em qual modalidade se apresente: um seminário, uma pesquisa, uma monografia, uma dissertação, uma lição da lousa, etc. Tudo é motivo para reclamação e atitudes do tipo: "Nossa, você veio?" (cara de desdém), "Por que você não faltou?" (cara de desdém), "Por que você não vai embora?" (cara de nojo e desdém, concomitantemente), "Deixa a gente de aula vaga" (pedido ignorado com sucesso), e por aí vai, incansável e diariamente. Pior é ver que o Governo incentiva isso: lei de progressão continuada, cota de reprovados ou não reprovação em algumas séries, compensação de faltas de alunos turistas, trabalhos em casa como se escola pública fosse EAD... Disso vem aquelas falas de alunos:
ALUNO QUE SÓ FALTA E NÃO FAZ NADA 1: "Prô, como 'tá minhas notas?" (não vem, não faz, portanto, não tem nota, certo? Preciso desenhar?).
ALUNO QUE SÓ FALTA E NÃO FAZ NADA 2: "Prô, passa um trabalho pra mim?" (trabalho para você é em dobro para mim, que só vou receber coisa tipo "copia e cola" da internet).
ALUNO QUE SÓ FALTA E NÃO FAZ NADA 3: "Como eu faço para passar na sua matéria?" (para de faltar e faz as lições. Dã!).
ALUNO QUE SÓ FALTA E NÃO FAZ NADA 4: "Compensa todas as minhas faltas, tá?" (claro, porque você que nunca ou quase nunca vem pode ficar com 100% de frequência, ao passo que aquele aluno que vem sempre e faz as atividades fica com 95%. Certinho, você! 👍).
ALUNO QUE NÃO FAZ NADA 1: "Ow, me passa um trabalho pra nota" (claaaaaro, porque é difícil fazer as mesmas atividades que os demais colegas da sala...).
ALUNO QUE NÃO FAZ NADA 2: (aluno que conversou ou dormiu a aula toda) "Me explica a matéria, prô" ou "Como é que faz mesmo isso?" (sim, porque estou na modalidade "aula particular" só para vc! Venha cá, bichin' 👊).
Tirando aqueles alunos que dormem em todas as aulas e nem sabemos se estão dormindo ou se morreram... Prefiro nem me aproximar nesses momentos para o choque não ser maior. (dá inveja, já que também estou com sono, mas nem posso dormir. Muita petulância não ter esse tipo de regalia também... Só acho!).
E esses são apenas alguns dos momentos em que se percebe que é mais fácil não fazer nada e sair (quando sai e se sai) com um diploma vagabundo e miserável do que esforçar-se, o mínimo que seja, para aprender e conhecer, verdadeiramente, o que nos cerca e saber pensar racional e criticamente a cerca do que ocorre no mundo, saber-se ser capaz de modificar o mundo para o bem e em prol de todos, sem exceções ou exclusões. Hoje, infelizmente, as crianças e os jovens entram na escola, mas dela saem a partir do momento em que a veem apenas como um meio de socialização, no qual não há necessidade de comprometimento, respeito às regras e pessoas, responsabilidade ou solidariedade. Desaprende-se a ser humano para agir como anarquistas, sempre lutando contra um dos poucos sistemas que ainda oferece a possibilidade de conhecer, criticar racionalmente, dar-se conta do mundo e lutar contra injustiças.
Consequentemente, temos muitos alunos que saem da escola e ficam perdidos, sem rumo, sem saber o real valor que têm. Acham-se desvalorizados diante do mundo, culpam a escola, mas o pior é ver que nunca fizeram nada para aprender e conquistar o lugar deles ao sol. A escola em si não faz milagre e exige a participação efetiva do outro para surtir resultados, alunos e seus responsáveis.
Para os alunos, pais e quem é de fora é muito fácil culpar os professores (já ouvi até caseiro dizer que não podemos reclamar de salário nem nada, porque já sabíamos que a educação era assim... Espera que vou processar meus professores de Metodologia do Ensino e já volto...), mas em que mundo um aluno aprende quando passa o ano todo jogando em sala de aula, ao invés de tirar dúvidas quando termina a tarefa? Em que mundo, um aluno é desmotivado a participar de um trabalho que lhe fará mobilizar conhecimentos, estratégias de exposição e praticar leitura e escrita, pelos próprios pais e responsáveis? Em que mundo um pai denúncia um projeto da escola por não gostar de um professor que lhe comunicou que o filho não cumpre com as obrigações em sala ou que está tomando atitudes que não pertencem ao meio escolar? Em que mundo um pai não gosta da interferência ou "bronca" de um professor, mas, ao mesmo tempo, não toma medidas educativas para corrigir as falhas atitudinais do filho? É desmoralizante e degradante ver que a sociedade não incentiva os jovens a aprenderem e a dedicarem-se ao aprendizado. E, pior é ver que quaisquer medidas em prol de uma recuperação do aluno, por parte da escola, é ferozmente recebida pelos responsáveis. A escola, no fundo, tornou-se um receptáculo de pessoas, como uma eterna creche.
Enfim, em que planeta esses ainda jovens nunca vão envelhecer e ter de aprender a se virar no mundo que não estará de braços abertos a eles e às suas expectativas? Que mundo suportará esses indivíduos sem expectativas, perspectivas e sem capacitação necessárias para evoluírem a si mesmos e melhorarem o mundo que os cerca? Jovens que não aprenderam a ser frustrados e a superar dificuldades? Vai ser difícil engolir...
Aprender gera indivíduos críticos, que não são dominados por uma fala elaborada, mas de promessas vazias, nem aceitam pouca coisa como sendo aquilo que a Idade Média pregava como "mérito divino" para manter a massa controlada e sob domínio do clero, da nobreza e da monarquia, não se submetem às humilhações por uma miséria de salário e sabem olhar para o outro com compaixão e misericórdia, não achando o esforço do outro menor do que o dele. Aprender nos torna mais humanos e aptos a empreender atitudes modificadoras de desigualdades e exclusões.
Será que a sociedade passará a enxergar tais fatos e a valorizar a educação ou estamos fadados ao vitimismo crônico de impossibilitados de olhar além de si mesmos e do agora?
Será que a sociedade passará a enxergar tais fatos e a valorizar a educação ou estamos fadados ao vitimismo crônico de impossibilitados de olhar além de si mesmos e do agora?
XOXO
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