Sarah - JT Leroy (2005)


By Cathy Scarlet





FICHA TÉCNICA:

Livro: Sarah
Autor: JT Leroy
País: Estados Unidos
Ano de lançamento: 2005
Gênero: drama (autobiográfico)
Nota: 6


Pela primeira vez em algum tempo, escolhi um autor completamente desconhecido para mim a fim de, justamente, conhecer outras escritas pelo mundo afora. Não digo que fui mega impactada pela leitura, mas admito que há nela muitas nuances interessantes para abordar, principalmente se levarmos em consideração a personagem principal. Não é, de fato, Sarah, fato que me causou estranheza, à princípio, mas, depois, entendi e, admito, foi uma escolha interessante para o título do livro, pois o torna alegórico (diz-se daquilo que representa ideias ou pensamentos de maneira figurada, ou seja, de modo não direto) e emblemático (simbólico) no transcorrer da trama.

Primeiramente, falarei brevemente do autor do livro: JT Leroy é, na verdade, um pseudônimo criado pela escritora americana Laura Albert nos anos 90. Sua escolha por uma persona masculina se deu pelo fato de, segundo ela própria, não poder dizer certas coisas como Laura e, sim, como Jeremiah "Terminator" LeRoy. Incentivado por seu psiquiatra, em sessões nas quais se denominava como seu pseudônimo, foi aconselhada a escrever seus relatos e, dessa forma, nasceu o livro Sarah, em 2005.

Agora, após essa breve apresentação do autor(a), vamos ao que interessa: a trama de Sarah.

A narrativa foca na figura do jovem de traços femininos e de cabelos loiros e cacheados prestes a se tornar um dos rapazes de Glad, o cafetão, cuja reputação benevolente surge em cada momento: no modo de tratar os rapazes, na preocupação pelo bem-estar deles e na imagem paternal que adquire ante aquela atmosfera incerta na qual a personagem está inserida. Sua marca é dar a seus rapazes um colar com pênis de guaxinim. Conforme fossem se tornando mais importantes ou requisitados, adquiriam outro colar com o maior pênis de guaxinim. Porém, Cherry Vanilla (nome dado por Glad) fica insatisfeito por seu cafetão dar-lhe programas leves, que dificilmente (ou não com a rapidez desejada) lhe fariam obter seu tom sonhado objetivo e se tornar o melhor dos rapazes, que frequentavam o restaurante Doves.

Determinada, Cherry foge e, no meio do caminho ao Jackalope (uma espécie de santidade que atraía todas as prostitutas da Virgínia, também chamadas de pisteiras, com promessas variadas, entre elas, tornarem-se as melhores pisteiras), conhece Pooh, que a chama de She-Ra por falha na comunicação na fila do Jackalope, uma prostituta ambiciosa, que acaba por apresentá-la ao seu cafetão, Le Loup.

Nesse novo grupo, Sarah, nome dado por ela na apresentação formal a todos e, também nome de sua mãe, se torna uma espécie de santa, tida como uma garotinha tocada por Deus e, por conta disso, torna-se atração principal, com a possível promessa de atrair a mídia e, consequentemente, mais dinheiro a Le Loup, deixando Pooh enciumada, por ser colocada de lado por causa da novata. Entretanto, Sarah começa a causar prejuízos, pois começa a "dar azar" aos caminhoneiros. Então, Pooh tem sua reputação ressurgida, milagre atribuído ao Jackalope, com seu sexto sentido sobre os desejos secretos de seus clientes. Aprisionada e já sem despertar a atenção ou favoritismo de Le Loup e das demais pisteiras, Sarah deseja fugir, no que é auxiliada por Pooh e Lyam. Porém, na noite da fuga, acaba tendo sua identidade descoberta com Lyam, que a denuncia. Traída por Pooh, Sarah (agora Sam) volta às mãos de Le Loup, que a transfere a Stanley, cafetão de uma divisão dominada pelo próprio Le Loup, ocupada com os rapazes. 

Sentindo-se desesperançada, Sarah se afunda na bebida e nas drogas. Até que, em dado momento, Pooh reaparece e, após revelar que estava de partida para Hollywood, após ser comprada por seu amante de Le Loup, diz que avisou Glad de seu paradeiro, fazendo ressurgir a esperança no coração da jovem. E, o tempo vai passando, diminuindo suas expectativas e aumentando a desconfiança das palavras da antiga rival. No entanto, num dia, Pie e Sundae, duas amigas da época do Doves, aparecem para resgatá-la, dando início a uma fuga desenfreada. E, quando tudo parecia terminado, Glad surge e a salva.

A trama não apenas nos revela um cenário de religiosidade e superstição, como nos faz compreender a tênue segurança da posição que determinadas prostitutas novatas têm, por isso, a competição parece ser uma ferramenta a mais para se manter no topo. Ao mesmo tempo, vemos o lado sombrio no histórico daqueles que geram essas  mulheres ou rapazes. Não é uma vida fácil, nem tampouco atrativa, embora tenha sido mostrada a lealdade de membros de uma mesma "facção". 

Quanto a personagem que dá e não dá nome a narrativa, observa-se sua constante busca por descobrir-se e ao seu lugar no mundo. Principalmente, vemos como anseia por competir e, ao mesmo tempo, ser admirada pela mãe. Os laços que as unem são quase inexistentes, sendo que a imagem da mãe acaba por fundir-se ou diluir-se na imagem de Pooh, servindo de reflexo da mãe de certa forma, no modo de ser e, de certa forma, subjugar o "reinado" da rival. Antes apenas rivalizar e competir com a mãe, consegue-se perceber a permanente carência e necessidade de afetividade por parte da personagem principal. E, uma fala da mãe dela dá a chave de interpretação de todo caminhar de Sarah-filha(o):

"__Todo mundo precisa de alguém para saber quem realmente é...".

Ou seja, a todo instante, não apenas pela mudança de nomes no transcorrer do enredo, como pela mudança de cafetão e do modo de notar os outros ao seu redor, percebemos essa necessidade de pertencimento e de reconhecimento de si mesmo, que acaba por não acontecer porque, embora acabe se tornando uma réplica decadente da mãe, ainda não se percebe o desfecho completo de seu destino, nem uma resposta a pergunta não feita de quem é, na realidade. 

Por fim, vale ressaltar que não é uma narrativa feliz nem fácil pela crueza da natureza nela expressa de um grupo sempre visto com olhares de censura e reprovação. Porém, nos apresenta um lado humanizado das pessoas sem rosto, cujos corpos são os únicos atrativos principais e visados na sociedade. Através do olhar de um jovem, cuja figura se afemina para tornar-se, antes de qualquer coisa, reflexo da mãe, conseguimos perceber que um dos principais esteios para levar alguém a uma escolha de vida como a prostituição pode vir dos próprios laços familiares. Sarah-filha não teve outro exemplo e assumiu aquela realidade da mãe como a própria, abraçando-a como única possibilidade razoável para si, a quem o amor materno é negado do começo ao fim, ao qual busca mesmo ante as mazelas da vida como a uma tábua de salvação sem, contudo, encontrar, vendo-se abandonada por aquela que lhe serviu de exemplo, inspiração e de quem busca apreciação. É triste o panorama e, a leitura, embora não cansativa, só perde a beleza por, de alguma forma, acertar um soco na boca de nossos estômagos com um cenário onde não há final feliz e não há o encontro da personagem com seu real objetivo.








XOXO

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