E o vento levou - Margaret Mitchell (1936)


By Cathy Scarlet





FICHA TÉCNICA

Livro: E o vento levou (Gone with the wind)
Autor: Margaret Mitchell
País: Estados Unidos
Ano de lançamento: 1936
Gênero: Romance, ficção histórica
Nota: 10


Após um tempinho sem postar nada aqui para vocês, volto com a resenha de um livro que demorei para ler (vida de professora é corrida, mesmo!), porém amei cada página dessa história fascinante, cuja trama foi eternizada não apenas pela maestria na escrita da autora, como também pela brilhante adaptação para os cinemas de 1939, protagonizada por Vivien Leigh e Clark Gable nos papeis principais, além de outros nomes que aumentaram o brilhantismo do filme.

Embora o filme, por si só, já tenha inúmeros pontos que poderíamos colocar em discussão, meu foco principal é o livro. Aliás, após a leitura, vi que seu teor não foi alterado nas "telonas", embora, sim, haja algumas diferenças entre uma e outra.

Pois bem, vamos ao que interessa: o livro E o vento levou foi escrito por Margaret Mitchel, uma escritora e jornalista, nascida em 1900 em Atlanta, nos Estados Unidos. É evidente sua escolha por um viés histórico, já que cresceu ouvindo histórias que, porventura, vieram a se refletir em uma de suas obras mais lembradas até hoje. 

A história praticamente se divide entre dois grandes espaços: Atlanta e Tara, propriedade dos O'Haras. A primeira representa o enriquecimento, o poder (com um toque de "aparências") e, a segunda, as raízes da personagem de Scarlett O'Hara, filha mais velha de Gerald e Ellen (uma Robillard, família fidalga e tradicional), personagem principal da história. A primeira aparição é de uma Scarlett jovem, ainda vivenciando a mocidade de modo pleno: gabava-se por conquistar a todos os rapazes da região, prendendo-lhes as atenções com sua personalidade efusiva, ousada (sem ser, necessariamente, vulgar, embora reprovável diante do olhar daquelas que não possuíam nem seus atributos nem o respeito pelo que saía daquele comportamento mais aristocrático e contido) e com sua beleza inigualável. Eis que surge a figura de Melanie Hamilton, totalmente o oposto de Scarlett. Por ser considerada rival pelo amor de Ashley (mesmo tendo sido pedida em casamento por ele, Melanie é também detestada por Scarlett desde o começo). Suas qualidades não são suficientes para fazê-la entender o porquê do "amado" optar por um casamento com uma figura insossa. Contudo, é evidente a semelhança dos primos (era comum o casamento entre parentes próximos).

Nesse cenário, onde duas formas surgem diante do leitor (Scarlett X Melanie), a figura masculina inicial é Ashley Wilkes. Convenhamos que, embora o moço seja um homem com todos os requintes de um aristocrata e a postura reservada em diversos momentos da trama, trata-se de um personagem cujas falas e atitudes trazem uma ambiguidade-chave necessária a proposta de Mitchel. E, justamente isso garante a manutenção da fissura de Scarlett do começo ao fim da trama, sendo o elemento essencial para a separação de Rhett e da mocinha, cuja força não parece surtir efeito quando o assunto é definir seus próprios sentimentos e afastar-se dos ideais estabelecidos na juventude, onde Ashley era a imagem do príncipe encantado no cavalo branco. 

Diante desse aparente triângulo amoroso, surge Rhett Buttler, o charmoso forasteiro de reputação manchada que não mede esforços para fazer-se presente na vida da filha primogênita dos O'Haras. Sempre misterioso e mordaz, ele não se deixa dominar, uma das várias características que deixa Scarlett entre indignada e intrigada, fascinando-a mesmo diante de suas constantes negativas, já que os sentimentos dela por Ashley  não lhe permite ver nada além de suas fantasias platônicas.

E, como um bom romance histórico, sempre há a presença de algum momento que acentua ou atenua determinadas circunstâncias. No caso, a guerra entre sulistas e nortistas acaba mobilizando mudanças sociais e pessoais gigantescas. Lembrando, o enredo inicia com uma Scarlett acostumada a uma vida sem maiores preocupações a não ser escolher vestidos bonitos e flertar com os rapazes nas festas para ser a mulher mais desejada e aumentar sua vaidade diante dos olhares das pessoas a rodearem-na, de forma a assegurar a supremacia de sua beleza e de sua personalidade ante as demais moças. Conforme estoura a guerra, há uma mudança na protagonista: ela começa a se tornar forte, mesmo diante das adversidades. Isso, lógico, a faz desejar ser rica; depois de tanta miséria, fome e privações decorrentes do fracasso dos sulistas, promete a si mesma jamais passar fome e jamais passar necessidade e, apenas a riqueza lhe garantiria tal façanha.  Entretanto, os caminhos que levavam a realização disso foram tortuosos e levaram-na a perder os últimos laços com a vida tradicional na qual Ellen criara as filhas. Não mais sendo reconhecida como parte da Velha Guarda, Scarlett é desprezada e sua reputação não é das melhores por seu pioneirismo como mulher de negócios numa sociedade onde as mulheres não se davam a oportunidade de serem mais bem-sucedidas do que os homens e, por romper com as aparências e com as pudicícias ainda inerentes a aristocratas cujos dias de glórias haviam ficado para trás.

Seguindo a mentalidade da época, Mitchel nos apresenta a figura dos negros numa sociedade escravocrata. Após a guerra, os yankes concederam a liberdade a todos os negros, iniciando uma nova ruptura numa sociedade já abalada pela perda de tantos soldados e pela perda de status de nobres acostumados ao brilho das festas. Os negros com alforria e que abandonaram suas famílias para assumirem postos mais altos em uma sociedade da qual, antes, eram meros espectadores se apresentam ao leitor como folgados e cheios de vícios, decorrentes da nova condição. Os que permaneceram leiais aos senhores e não os abandonaram, mantinham-se como fidedignos e vistos sob outro prisma: eram mais respeitados e considerados pelas famílias da Velha Guarda, ainda não satisfeitos com a derrocada em seu estilo de vida pomposo e regrado. O cenário diante de nós torna-se verossímil porque os valores agregados à exposição não são desconsiderados para fantasiar a realidade, mesmo que cause certo choque em pleno século XXI.

Ainda nessa leva de novidade trazida pela leitura, posso apontar alguns fatores que marcam a atmosfera dramática e reflexiva da obra, modificando as relações entre as personagens e trazendo uma maturidade parcial a algumas delas: a morte de soldados, conhecidos que perderam a vida por um ideal; a morte de entes queridos, representando aqueles que não se adaptaram à nova condição trazida pela guerra nem se adaptaram ao revezes da vida, como é o caso de Ellen, cuja inabalável figura não durou em confronto com uma nova realidade, vindo a somar suas desventuras matrimoniais (ela não casara por amor e, observando-a bem, nota-se uma certa indiferença para com a vida familiar, embora fosse o pilar das filhas e do marido); de Gerald, que também não aceitava rebaixar-se diante do inimigo nem com a perda da esposa; de Bonnie, cuja perda prematura representa o romper do tênue elo entre Rhett e Scarlett, a fragilidade de sua existência também se relaciona ao próprio casamento dos pais, como se fosse um espelho refletindo a imagem de Scarlett, uma figura que, porém, a própria protagonista não conseguia atingir, pois pendia para a figura masculina e paterna de Rhett; a derrocada das condições envolvendo as heranças de famílias tradicionais e apegadas às raízes do passado, rompidas ou modificadas de modo permanente, com isso, criou-se uma animosidade que estigmatizava aqueles que pareciam "jogar-lhes na cara" essa mudança com suas atitudes "inovadoras", fugindo à tradição e ao decoro esperado por detentores da conduta da vida; as relações partidas de Scarlett por conta de sua vulnerável e incerta posição diante de seus próprios sentimentos e decisões. Primeiro, o carinho frágil ou quase inexistente dos filhos (Wade, filho de seu primeiro casamento com Charles Hamilton, irmão de Melanie; Ella Lorena, filha do ex-noivo de sua irmã Suellen, com quem casou para não perder Tara; e Bonnie Blue Butler, filha com Rhett, a quem a menina tinha evidente predileção). Segundo, a morte inesperada de Melanie, cuja estima leal e sincera pela cunhada era inabalável do começo ao fim da trama. Apenas em seus momentos derradeiros é que Scarlett percebe o grande carinho e admiração que sente por ela, mesmo havendo alguns outros trechos da história nos quais fica evidente seu apreço pela frágil criatura a quem a vida era devotada à Ashley e à esposa de seu falecido irmão. Em terceiro, o amor que sentia por Ashley e que a mantinha distante de qualquer outra possibilidade verdadeira de relacionamento, se quebra. Ele já não é visto sob o prisma da perfeição. Pelo contrário. Ela começa a notar a debilidade de suas atitudes, sua fraqueza a abala, bem como sua falta de posicionamento diante da vida, com seus discursos repletos de saudosismo e de ambiguidades ferinas, cujo poder sobre a primogênita dos O'Haras era intenso. Já sem a venda lhe cobrindo os olhos, Scarlett reflete e percebe quão enganada estivera durante tantos anos, alimentando um amor platônico por um homem sem firmeza e irresponsável emocionalmente a ponto de mantê-la fixa nele com suas palavras repletas de sentimentos implícitos ocultos pela roupagem da honra e das obrigações assumidas com o casamento com a prima Melanie. Isso tudo leva a quarta e principal relação rompida: com Rhett Butler, seu marido. Em uma conversa tensa e amarga, o homem de já quarenta e cinco anos, diante da jovem mulher de já vinte e oito anos, após anos tentando ser seu esteio emocional e adulando-a, atendendo todas as suas vontades, demonstra sua total indiferença para com o destino dela. Sem forças e sem saber como reagir diante de mais um revés cruel da vida, Scarlett decide ir para Tara e, lá, pensaria numa forma de retomar tudo o que perdera.

Ao fim, percebemos como nossas ações e escolhas estão interligadas com os resultados e com os dramas que, porventura, ocorram delas.

A vida é feita das escolhas que fazemos.

A vida é feita das relações que mantemos conosco e com as pessoas ao nosso redor.

Por fim, vale a pena ler a obra, por toda riqueza presente nela. Mitchel nos apresenta muito mais do que aquilo transmitido no filme e nos presenteia com personagens intensas, profundas e moldadas pelas circunstâncias sociais, históricas e culturais. Não ficamos estafados com a leitura, mas dela adquirimos novas perspectivas de análise porque tudo é muito mais detalhado, melhor exposto e bem explicado, mesmo as informações implícitas nos levam a perceber a intensidade das emoções afloradas pelas percepções da realidade da qual faz parte cada uma das personagens criadas para E o  vento levou, obra merecedora de mais visibilidade e de reconhecimento por toda sua magnificência narrativa e histórica, e contribuição para a história da literatura.










XOXO






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