A obsolescência programada dos nossos sentimentos - Zidrou & Aimée de Jongh (2022)

 By Cathy Scarlet



Livro: A obsolescência programada dos nossos sentimentos (L'Obsolescence Programmée de Nos Sentiments)
Autor: Zidrou & Aimée de Jongh
País: Holanda
Ano de Lançamento: 2018
Gênero: Graphic novel
Editora: Pipoca & Nanquim

Nota: 10


Começarei esta resenha como se fosse um dicionário: o que é OBSOLESCÊNCIA? O que signfica, afinal? O termo nada mais é do que processo de tornar-se obsoleto, ultrapassado, antiquado... Velho. O título dessa obra nos chama a atenção pela crítica, unificada pela ideia da imagem da capa: duas pessoas idosas nuas e de costas. Ou seja: o processo programado para tornar ultrapassado nossos sentimentos... Nossos sentimentos de inferioridade, de incapacidade, de impossibilidade, de abdicação. Tudo isso deve ser deixado para trás. É o que veremos por aqui, pessoal.


Quando falamos de terceira idade, envelhecer, envelhecimento, idosos... Será que, realmente, compreendemos a dimensão dessa etapa da vida? Conseguimos entender os conflitos, dilemas e expectativas desse momento, numa sociedade em que envelhecer tornou-se sinônimo de algo que não serve mais, que deve ser deixado de lado, esquecido? Vamos ver como Zidrou e Jongh nos apresentam alguns questionamentos muito importantes sobre o assunto.


Primeiramente, vamos falar um pouco dos autores. Zidrou (Benoît Drousie) é um autor belga nascido em Anderlecht, Bruxelas, no ano de 1962. Já foi professor e, hoje, é premiado por suas produções. Aimée de Jongh é cartunista, animadora e ilustradora, nascida em 1988, em Waalwijk, na Holanda, também colecionando prêmios por seus trabalhos, lançados também em inglês. A junção de ambos, como se pode perceber nesse livro, foi extremamente bem-sucedida e nos leva à poesia escrita e visual, aumentando a complexidade do tema abordado com tamanha sensibilidade.


Zidrou (Benoît Drousie)

Aimée de Jongh


Agora, voltando para o que nos interessa: nosso objeto em análise. A história começa nos apresentando a personagem Mediterrânea Solenza, ex-modelo e dona de uma loja de queijos, herdada do pai, que havia acabado de perder a mãe e se depara com uma dura realidade: o peso da idade e aceitação de sua realidade. Logo em seguida, nos deparamos com Ulisses Varennes, que acabara de ser dispensado de seu trabalho. Viúvo, sem netos (já que seu filho casado, Julien, não pensa em ter filhos) e constantemente buscando o consolo com uma mulher casada a quem paga por sexo, também se vê diante de um dilema: a falta de perspectiva para o futuro. Imersos em seus mundos cinzentos, ambos acabam se encontrando no consultório em que o filho, que é médico, trabalha. Após algum tempo, ele vai procurá-la em sua loja e, a partir daí, passam a se aproximar e a estreitar os laços. E a convivência vai trazendo a segurança e confiança em si mesma para Mediterrânea e vai fazendo Ulisses olhar para o caminho a sua frente com outros olhos, mais maduros e com mais esperança. 


A obra é dividida sete capítulos, que vão avançando na reconstrução da perspectiva de vida das personagens principais, que passam a ver a própria maturidade, velhice como algo positivo. Juntos, o casal passa a valorizar cada aspecto dessa fase, vendo-se capazes de realizar seus sonhos perdidos e seus objetivos adiados com um espírito fortalecido pela certeza trazida pelo amadurecer e pelo próprio passado, que passa a ser reavaliado por viés. Mediterrânea começa a entender sua condição de mulher mais velha com mais leveza, não mais se sentindo a Bruxa da Branca de Neve, mas uma mulher forte e realizada. Ulisses deixa de lado suas amarguras e a morte de sua filha, aceitando aventurar-se, abdicando do marasmo e recebendo um novo presente inesperado, dado pelo destino (quem ler, saberá do que se trata). 


Para quem gosta de graphic novels, esta não deixa a desejar em nada. E, para aqueles que não gostam ou não se embrenharam nesse mundo ainda, fica aí o convite para invadirem esse gênero literário super especial para refletirmos sobre a melhor etapa da vida, aquela em que memórias nos fortalecem, ensinam e nos trazem nostalgias; aquela em que sonhos se tornam motivos para continuarmos e entender que nunca há um fim trazido pelo aumento nos dígitos dos documentos. As ilustrações, juntamente com a escrita, nos remetem a uma poesia constante e a uma interpretação ainda mais complexa e interminável de elementos que se atualizam diante de nossos olhos, assumindo uma profundidade incalculável.


Esta graphic novel  nos motra, pelo ponto de vista de personagens que se encontram nessa  redescoberta de si mesmos, como o corpo envelhecendo não precisa significar o envelhecimento da alma e da busca da realização dos sonhos que não nos abandonam, mesmo com o passar dos anos. Super recomendo a leitura e o compartilhamento dela para todos. Precisamos valorizar as pessoas mais velhas e entender que, dentro de cada uma, há um universo inteiro a desbravar; há esperanças que nunca morrem e um mar de experiências a serem partilhadas e respeitadas pelas gerações posteriores. Ser mais velho deve ser sinônimo de experimentar o mundo com mais maturidade e com a certeza de deixar os receios para trás. É um convite a jamais deixarmos nada, de fato, para trás, mas irmos constantemente em busca de preencher nossos anseios e lutar para não nos tornarmos obsoletos nessa curta existência da qual usufruímos.









XOXO




REFERÊNCIAS DAS IMAGENS

https://fariaesilva.com.br/autor/zidrou-oriol/

https://www.selfmadehero.com/creators/aimee-de-jongh


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